top of page

Da Terapêutica em Massa à Individualizada: que futuro para a Farmácia? (Parte I)

Foto do escritor: Growth HealthCareGrowth HealthCare

renovação da terapêutica pelo farmacêutico

Evolução. É disso que se trata. Não estamos a falar de futuro, mas sim do presente. Na era da digitalização e depois da euforia inicial da utilização da mesma pela facilidade que nos traz, começamos a reclamar novamente a personalização. Olhamos para a Booths, no Reino Unido, e vemos que os funcionários voltaram a estar presentes nas caixas registadoras depois dos clientes terem reclamado após a substituição dos mesmos por caixas self-service. Em Portugal, estamos ainda no movimento inverso (como sempre), mas lá chegaremos.

 

E o que é que isto tem a ver com o futuro da Farmácia? Tudo!

 

Durante muito tempo quis-se colocar a saúde fora de toda a evolução que nos ia circundando. Hoje isso não é mais possível e a individualização na saúde é uma realidade. Este é certamente o próximo grande desafio para as Farmácias Comunitárias. Se uma molécula não vai servir para todos e, se para cada um vai haver numa solução, é fácil de perceber que a Farmácia atual não prevalecerá e terá de se adaptar. Como em toda as grandes mudanças, há oportunidades. Desde que não se escolha enfiar a cabeça na areia, como faz a avestruz.

 

Em que é que isto se traduz?

 

Tão simples quanto esta máxima: uma molécula já não serve para 100% das pessoas com patologia. Uma pessoa com a patologia X começa a ser e será, sem qualquer sombra de dúvidas, sinónimo de um tratamento. Deixamos a terapêutica em massa para a terapêutica personalizada, onde se procura cada vez mais um tratamento eficaz e com menos efeitos secundários. A farmacogenómica, os biomarcadores e a Inteligência Artificial (IA) são o mote para esta alteração. E não se pense que estamos a falar de um espaço temporal a 10 anos. Estamos a falar do que já acontece hoje.

 

Atualmente, os esquemas terapêuticos para tratamento de várias patologias já estão dependentes do estudo genético da pessoa ou de comorbilidades existentes. Como exemplos temos o tratamento de alguns cancros, onde mediante estudo genético se escolhe o esquema terapêutico mais adequado à pessoa. Ou, passando para as doenças crónicas, a escolha da terapêutica faz-se para combater a causa e não apenas controlar os sintomas. Por exemplo, na diabetes, onde a metformina deixa de ser cada vez mais a 1ª opção (ainda que se mantenha como 1ª linha nas guidelines) e passam a ser escolhidos medicamentos que vão além do controlo da glicemia e que atuam também na perda de peso ou na proteção de órgãos como o coração, o rim ou o fígado.

 

A questão impõe-se: como fica a Farmácia Comunitária perante estas alterações?

 

Esta terá diante de si uma era de transformação profunda, onde o acesso à tecnologia, os custos da medicação personalizada, o modelo de negócio e respetiva concorrência, a adaptação logística e stock e, por inerência, a relação Farmacêutico-Doente serão os pilares com as maiores mudanças.

 

No que toca à tecnologia, o avanço da personalização dos tratamentos obriga a que a Farmácia tenha de investir em tecnologias avançadas, como a farmacogenómica, a impressão 3D de medicamentos ou em sistemas de IA para análise de dados. Este ponto pode ser desafiante, especialmente para Farmácias independentes, pela exigência de recursos financeiros a que obriga. O estabelecimento de novas parcerias, desta feita com clínicas, hospitais ou laboratórios com valências de biotecnologia, pode ser uma solução de futuro. Outra solução passa por serem mais ativas no concurso a incentivos governamentais ou fundos públicos para inovação em saúde.

 

Perante tudo isto, o modelo de negócio será forçosamente impactado. Não vai chegar à Farmácia limitar-se ao ato de dispensa de caixas de medicamentos, afinal de contas uma molécula não vai servir para todos! Novos players exclusivamente digitais vão surgir, onde o acompanhamento online pode vir a ser um grande concorrente da Farmácia física. Como em tudo, há oportunidades de diferenciação. Investir em serviços diferenciados que impliquem uma ida à Farmácia e outros, como a personalização do atendimento, aconselhamento farmacêutico especializado em patologias core ou a criação de programas de fidelização, avizinham-se como boas soluções. Complementar com a presença online pode ser uma opção para combater as opções exclusivamente online.

 

Se atualmente a gestão de stock é um desafio, com o surgimento da terapêutica personalizada o desafio será ainda maior. Esta terapêutica é baseada em biomarcadores e genética, pelo que são substancialmente mais caros do que os tratamentos que temos à data. Não só é um desafio para os doentes, mas também para as farmácias quando pensamos em questão de stocks. A quantidade de referências será ainda maior e a rotatividade menor, dois fatores que aumentam brutalmente os custos e a logística. Neste ponto, não só as Farmácias, mas também a rede de distribuidores, necessitam de se adaptar, sendo a rapidez e a flexibilidade duas premissas fundamentais. Algo que em Portugal já está num bom nível, mas que aplicada a terapêutica individualizada implica ajustes.

 

O papel do farmacêutico terá também ele alterações acentuadas. Não será suficiente ser apenas dispensador de caixas. Será chamado a executar, interpretar, aconselhar e acompanhar, tornando-se num verdadeiro consultor de saúde especializado em terapêutica personalizada. Além da formação contínua a que terá de aceder, o Farmacêutico passará mais tempo a “consultar” e a educar os doentes em tratamentos específicos, o que pode vir a acrescentar pressão às equipas, nomeadamente na fase de transição. Claramente que numa equipa com várias valências, nem todos vão poder fazer tudo.

 

Este será, sem grandes dúvidas, o mote para a diferenciação entre os vários elementos que constituem as equipas das Farmácias como as conhecemos hoje. É o que acontece quando não se faz por iniciativa própria. Por norma, somos atropelados pela realidade e, em Portugal, há uma grande dificuldade em diferenciar claramente nas Farmácias as funções e o posicionamento dos Farmacêuticos perante os Técnicos de Farmácia e TAF’s. A mesma dificuldade que está a levar a que muitos recém-licenciados e outros com anos de experiência fujam da Farmácia comunitária (além de outros temas que não são “tema” para este artigo).

 

Acredito que todo este artigo possa estar a parecer demasiado futurista, mas asseguro que de futurista não tem nada. Não mencionei nada que não esteja já a acontecer ou a ser implementado em Portugal, ainda que maioritariamente a nível hospitalar. Futurista seria se abordasse neste artigo o que empresas tecnológicas como a Siemens Health estão já a desenvolver com resultados preliminares e que, em 2030, estará no mercado da saúde.

 

Se há coisa que não é preciso ir ao futuro para saber, é que não se pode parar o tempo. Por outro lado, também já percebemos que este caminho de avanço não tem inflexão possível. A Farmácia como a conhecemos hoje terá, de facto, grandes desafios pela frente. Perante o que se sabe, podemos ter duas ações: ou procuramos precaver-nos, criando mecanismos e estando preparados para o que se afigura vir a ser a atuação no futuro (como devem estar as casas com proteção antissísmica), ou não fazemos nada e esperamos que o sismo venha e caia em cima de nós. Depois disso, podemos levantar-nos, mas também pode não acontecer. Talvez ter proteção antissísmica nos ajude a aguentar o embate e a seguir firmes.

 

🗓️ No próximo mês falarei dos desafios, mas na perspetiva dos Farmacêuticos.

 


 

0 comentário

Comments


bottom of page