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Perguntei ao ChatGPT o que tomar para a tosse. Fiquei a meio do caminho.

Foto do escritor: Vânia SerraVânia Serra

“ChatGPT acerta em 60% do exame para ser aprovado em medicina, nos Estados Unidos”, o equivalente ao exame de acesso à especialidade médica que se faz em Portugal, até 2022 conhecido como “Harrison”. É este o ponto de partida para o artigo deste mês. Tornou-se imperativo falar da “revolução”, a ver vamos, que o ChatGPT está a causar. E quando digo “a ver vamos” não é porque não acredite no poder da Inteligência Artificial (IA), pelo contrário. Trata-se apenas de não entrar em euforias ou ansiedade que podem não se justificar.


Como se trata de um tema relativamente “novo” e, por isso, relativamente desconhecido, é importante fazer um preâmbulo para que depois se perceba porque digo que “fiquei a meio do caminho” quando “falei” com o ChatGPT.


Em primeiro lugar, importa percebermos que apesar de ter sido lançado em novembro de 2022 e estar a colocar toda a gente a falar do Homem versus a máquina, o que está na base do ChatGPT foi implementado, pela google, em 2018 – Transformer (correspondente à letra “T” da sigla ChatGPT). E antes de ouvirmos falar no ChatGPT já a Microsoft tinha lançado o Bing, um chat que também pretendia dar respostas a questões concretas. E como ninguém quer ficar atrás, também a Google já trabalha numa solução equivalente - o Bard, mas que ainda não está disponível para o público. Afinal, esta é uma tecnologia com a qual já lidamos, até aceitamos mas que só agora ganhou toda esta proporção. Todos nós, de alguma forma, já tivemos contacto com ela. Por exemplo, quando se liga para a Vodafone, do outro lado “a máquina” guia-nos e leva-nos a dizer palavras/frases relacionadas com o que queremos resolver e em função disso dão-nos a resposta sem que tenhamos de falar com alguém (de viva voz, acrescento eu). Ou em diversos sites de serviços em que nos pedem para privilegiar o chat e dizer qual o tema que queremos abordar e só em último caso nos colocam a falar com alguém.


De uma forma simples, o ChatGPT é uma plataforma, igual a uma janela do Messenger ou de alguns sites que visitamos, onde podemos fazer uma pergunta, um pedido ou uma declaração e esta devolve a resposta. Como disse no início, é mesmo(!) uma forma muito simples de explicar esta plataforma. O que nos permite é falar de e com IA sem que tenhamos de perceber tudo o que trabalha atrás para nos dar a resposta. Podemos, legitimamente, questionar: "mas isso não é o que o Google já faz? Eu coloco lá uma pergunta e tenho a resposta." Bem… diria que o ChatGPT é um “upgrade” do Google, com as devidas ressalvas que farei mais à frente. Porquê? Enquanto que o Google nos dá um conjunto de links com várias respostas que temos de abrir, individualmente, o ChatGPT dá-nos a resposta ao que perguntamos de uma vez. Se a resposta é 100% correta, confiável e adaptada ao que queremos? (AINDA) Não!


A Inteligência Artificial, o que está na base das respostas do ChatGPT, corresponde à capacidade das máquinas reproduzirem competências humanas na execução de tarefas. No caso da saúde, fazer diagnósticos é um exemplo. Como? Através da análise de dados (muitos dados!). Em 2019, fiz uma apresentação a farmácias onde explicava como a IA podia e já estava a ser aplicada na saúde. Na altura, dei o exemplo dos EUA onde diagnósticos de cancro de pele com IA já ultrapassavam os 48%. Falei também de como haviam farmacêuticos, à data na chamada de Linha de Saúde 24, a utilizar a IA para fazer a triagem e encaminhamento dos casos que chegavam através do telefone. Lembro-me, na altura, de perceber na cara das pessoas a reação “esta miúda vive noutro mundo. Está agora a falar de máquinas que nos podem substituir”. Também me recordo de ter terminado a minha apresentação com um simples “O Futuro é hoje”. Mas é como é apanágio no setor, o pensamento foi “isto é só para nos assustar e já não vai ser no meu tempo”.


Pois bem… chegado o ChatGPT, fui fazer-lhe uma pergunta que se faz na farmácia: “Tenho tosse. O que tomar”. A resposta foi a seguinte:



Vejamos:

  • Neste caso, não há nada na resposta que esteja incorreto, o que nem sempre acontece nas respostas do ChatGPT. Mas há um problema, não temos referências bibliográficas, não sei a origem do conteúdo. Enquanto profissional de saúde sei que a resposta está, genericamente certa, mas um leigo no assunto não tem como comprovar. Não é apenas neste caso. Em nenhuma das respostas que o ChatGPT, sobre qualquer tema, nos são dadas as fontes da informação, o que é um problema;

  • Em segundo lugar, assume que tenho “tosse produtiva”. Nunca fala na possibilidade de ter tosse seca. Acontece porque o ChatGPT é desprovido de criatividade e personalidade. Não há pontuação, não há perguntas. Tal dificulta a interpretação da informação que nos é dada;

  • Além disso, não me pergunta se tenho outro tipo de sintomas. Na origem da tosse pode estar um efeito secundário da toma de um medicamento ou ser decorrente de alergias ou exposição a outros componentes irritantes. Neste caso, a resposta teria sido redondamente ao lado, ainda que a informação dada não esteja errada;

  • Não é o caso, mas ao utilizar o ChatGPT para informação sobre um qualquer tema, a probabilidade de incorrer em plágio é enorme. Basta copiar, tal como está, a resposta e colocar num trabalho, relatório ou o que seja e facilmente estamos a plagiar. Porquê? Porque o ChatGPT limita-se a copiar exatamente texto que já existe publicado e a fazer uma manta de retalhos.

É pelas razões que acabei de enumerar que disse logo no título que “fiquei a meio do caminho”. À data e como se apresenta, o ChatGPT é uma ameaça para o trabalho que a farmácia desenvolve? (Ainda) Não! E digo ainda não porque esta plataforma está numa fase experimental e alguns dos pontos acima referidos podem vir a ser resolvidos. São realmente necessários muitos dados e nisso o ChatGPT tem ainda um longo percurso a percorrer. Além das respostas se basearem em dados recolhidos apenas até ao final do ano de 2021, dizem os entendidos que o modelo da Google (Bard) tem um modelo matemático ligeiramente melhor. Acrescentaria que a Google tem a maior base de dados que existe, o que também melhora os resultados (apesar do teste feito ter dado uma resposta com erros).


Mas isto não significa que não temos de fazer o nosso trabalho de casa. Muito pelo contrário. Já existem sistemas de triagem de sintomas, baseados em Inteligência Artificial, a funcionar no nosso mercado. Em Portugal, as seguradoras já trabalham com estes sistemas para despiste sintomas e encaminhamento de casos. Há hospitais privados que também já o fazem. Não vai demorar a chegar ao público em geral. E quando isto acontecer já não vamos poder falar de forma displicente do “dr. Google”.


São os sistemas que acabei de falar uma ameaça para a Farmácia? Diria que são sistemas que permitem melhorar o aconselhamento aos clientes. E tudo o que melhore o serviço prestado deve ser abraçado. Afinal, somos demasiado pequenos para combater com esta avalanche que não vai recuar. Por isso, mais vale utilizá-la a nosso favor! Por outro lado, não sabemos se algum dia a IA vai ter a capacidade de se tornar emocional, ter personalidade ou ser criativa. Por isso, vamos valorizar o que (ainda) não fazem por nós: aconselhar e cuidar. É que estas são características humanas e não sabemos se alguma vez vão conseguir ser replicadas!


Em suma, vai o ChatGPT prevalecer? Não sabemos. O que sabemos é que como acontece na maioria das vezes, a solução que vinga (ou a que traz o tema para a ribalta) nem sempre é a primeira que surge no mercado, mas sim a consegue transformar a experiência do que já existe em algo mais amigável. Veja-se o caso do iPhone. Em 2005, a Motorola lançou o ROKR que tinha acesso ao iTunes, a loja de música da Apple. Já o primeiro telemóvel sem teclado e com ecrã sensível ao toque foi o LG Prada, lançado em 2006. Mas foi o lançamento do iPhone, em 2007, que veio revolucionar o mercado dos telemóveis e torna-lo no que conhecemos hoje. Porquê? Porque apresentou uma solução que era não só melhor mas mais simpática de utilizar face ao que já existia. Por isso, se não for o ChatGPT será outro. Mas vem para ficar!


Como já deve ter percebido, este texto não foi escrito pelo ChatGPT. Diria que alguma das partes até podiam ser, mas as questões, o desafio ao pensamento e a criatividade (ainda) não são características desta plataforma.

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