top of page

Publicidade a medicamentos: o cerco aperta-se!

Foto do escritor: Vânia SerraVânia Serra

Volta e meia é um tema que vem à ribalta. Foi o que aconteceu no começo do ano de 2023, na sequência de uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a 22 de dezembro de 2022. O que está em causa é a publicidade a Medicamentos Não Sujeitos a Receita Médica (MNSRM) e Produtos.


De acordo com interpretação do TJUE, “não se opõem a uma disposição nacional que proíbe a inclusão, na publicidade junto do público em geral a medicamentos não sujeitos a receita médica nem comparticipados, de informações que incentivam a compra de medicamentos, justificando a necessidade dessa compra pelo preço de tais medicamentos, anunciando uma promoção ou indicando que os referidos medicamentos são vendidos em pacote com outros medicamentos, mesmo a um preço reduzido, ou com outros produtos.”.


Se a grande maioria dos interessados nesta matéria teve conhecimento? Diria que não. Provavelmente só se darão conta quando os parceiros comerciais começarem a alterar o tipo de campanhas ao consumidor. Mas esta decisão veio relembrar-nos que ainda há uma (grande!) diferença entre o velho continente e o outro lado do oceano Atlântico. Se temos áreas em que nos estamos a aproximar, muito devido à tecnologia, outras há que ainda estão longe. Diria, a titulo pessoal, ainda bem!


Como em tudo, temos os que olham para esta clarificação da diretiva como uma oportunidade e outros há que verão uma ameaça à sua ação comercial. Depende sempre do ângulo com que se olha a questão. Mas até para estes últimos é uma oportunidade. A de fazer melhor comunicação de MNSRM ou produtos. Como? Promovendo a informação da patologia e das vantagens do mesmo. Um tipo de diferenciação. Voltarei a este assunto mais à frente.


Vejamos o que argumenta o TJUE: “as campanhas promocionais baseadas no preço não promovem o uso racional do medicamento” e “a publicidade junto do público em geral de medicamentos vendidos sem receita médica poderia afetar a saúde pública se fosse excessiva e irrefletida”. Na verdade, ambas são coerentes e válidas com os indicadores que temos.


De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o uso racional do medicamento acontece quando o doente tem acesso ao medicamento indicado para as suas necessidades, nas doses adequadas para um período de tempo ao menor custo possível. Em Portugal, multiplicam-se as campanhas de uso racional do medicamento, quer sejam de prescrição ou não, pelas várias entidades de saúde. Até se pode argumentar que “a questão de compra de medicamentos em pacote com outros produtos ou a preços mais reduzidos não se coloca”. E eu pergunto: Não!? Há não muito tempo, assistimos à compra desmesurada de paracetamol, ibuprofenos, vitamina C. É certo que estávamos no começo da pandemia, mas só demonstra o instinto humano. Sendo ou não medicamento, assistimos ao mesmo comportamento em alguns bens no supermercado. E para o que podem estar a pensar “isto é foi uma época muito particular não é exemplo”, refiro outra situação flagrante. Quantas vezes, perante uma receita médica com várias unidades do mesmo medicamento prescrito e validade de 6 meses, são dispensadas a totalidade das unidades, mesmo após os esforços do farmacêutico para que tal na aconteça? E algum tempo depois chegam caixas sem serem abertas para colocar no Valormed, só porque o médico alterou a prescrição?


Já no que respeita a questões de saúde pública, também não é difícil entender a justificação. O que mais salta à vista é a automedicação. Este é um real e grave problema de saúde pública com que Portugal tem de se debater. Muitas vezes porque as pessoas consideram ter conhecimento pessoal para o fazer, por crenças ou porque a vizinha ou a irmã disse que é muito bom e faz bem, como tantas vezes se ouve dizer. Na verdade, todos os medicamentos, com ou sem receita, têm uma atuação distinta no organismo e por isso é indispensável que seja supervisionada por um profissional de saúde competente.


Como é hábito, trago sempre a visão de oportunidade perante as mudanças a que estamos a ser sujeitos. E desta vez não vai ser diferente. Olhando, em particular, para as Farmácias (um dos locais onde se pode vender MNSRM e outros produtos de saúde e bem-estar), há claramente oportunidades. Durante anos ajudei farmácias a melhorar os seus resultados, quer por otimização da escolha de parceiros comerciais, quer pelo aconselhamento a fazer aos clientes. Sim, disse clientes. Sim, a farmácia é uma empresa e como tal tem clientes e deve ter saldo positivo no final do mês. Também reconheço que as campanhas promocionais ajudam ao desempenho, mas por si só não fazem os resultados. O que é preferível: ter um pico de vendas no produto X na altura da campanha e nos meses em que não há campanha… o produto não “roda” ou ter um aconselhamento otimizado e consistente, por parte da equipa, e o mês de campanha representa um resultado positivo, face ao normal, e não apenas a salvação de determinado produto? Diria que o último cenário.


Quantas vezes ouvimos os farmacêuticos dizer “Quem fez o produto X foi a farmácia”? E como? Pela maior “arma” que a farmácia tem ao seu alcance, mas que tende a desvalorizar face a outras questões – o Aconselhamento!


É por isso que esta questão da restrição a publicidade a MNSRM e outros produtos, baseada no preço, não deve ser encarada, pelas Farmácias, como “mais um revés” num setor já fragilizado. Pelo contrário. A farmácia, se fizer uso do seu capital humano e promover um aconselhamento consciente e consistente, não fica dependente de promoções ou publicidade a MNSRM ou produtos. Já outros espaços de saúde, cuja atividade é baseada puramente no preço e promoções, terão o reverso. Deixam de poder fazê-lo. E aconselhamento, por e simplesmente, não existe.


Por inerência e sem que se esteja a dar por isso, todas estas questões estão a contribuir para recentrar a Farmácia no que é à sua atividade primordial diz respeito: aconselhamento, triagem, educação para a saúde e acompanhamento. Há guerras em que não vale a pensa entrar, porque se sabe à partida que não se ganham. Há guerras em que a melhor resposta é olhar para o que se tem dentro de casa e fazer a diferença. E a diferença são os Farmacêuticos. A diferenciação pelo preço é o caminho mais fácil e, raramente, o caminho mais fácil é o melhor. “Quem vem pelo preço, vai pelo preço”. A diferenciação pelo aconselhamento é das mais complexas mas também a que a médio/longo prazo traz ganhos consideráveis. Depende se se penda no negócio no imediato ou médio/longo prazo.


Outra oportunidade decorrente é a de fixar mais farmacêuticos em farmácia comunitária. É que aquilo que nos ensinam na faculdade é que o farmacêutico aconselha, educa para a saúde, faz seguimento e triagem. O que nos deparamos quando chegamos ao mundo real é um tanto ou quanto diferente. Já tive oportunidade de falar sobre o tema no artigo Como os recursos humanos se tornaram "O" grande desafio das farmácias. E deixem que vos diga, um aconselhamento bem feito é mais vantajoso que uma promoção. É que além do(s) produtos que se vendem, vem a fidelização. E essa… ainda que passe despercebida e nem sempre medida, é do mais valioso que existe para qualquer empresa com clientes.

0 comentário

Comments


bottom of page